Ela não é uma criatura absolutamente despótica, não é o tipo de pessoa que aparenta ter vindo ao mundo para fazer mal às pessoas, mas ela é, de fato, um verdadeiro demônio. Não no sentido literal da palavra, mas no sentido mais pessoal. Ela é o meu demônio; a criatura que me assombra nas noites de medo, que contém todos os meus receios, ela é o meu purgatório, meu inferno. Não, também, no sentido literal da palavra. A companhia dela não é insuportável, como diz-se de uma pessoa classificada como infernal. Muito pelo contrário, é agradável, irresistível. Ela é a minha provação, a proposta maliciosa que Alguém maior que eu pôs no meu caminho para que eu testasse minhas forças, minha vulnerabilidade. Ela parece ser só uma escultura, perfeitamente esculpida, para ser colocada no portal de algum lugar especial. Ela não precisa se mexer, não precisa respirar ou pensar, não precisa viver; ela só precisa estar lá e deixar-se ser observada. Como uma Medusa, trazendo para a sua coleção de pedras apaixonadas todos aqueles que lhe vislumbrassem.
As más línguas invejosas de sua venerável beleza perguntaram-me o que vi naquela que, ao longe, parecia uma singela criatura, eu lhes respondi: a perfeição. Afrodite que me perdoe, mas criatura mais bela não existe. Ela é o ser mais inteligente que eu já conheci, com os cabelos presos num rabo de cavalo displicente e o volume de ficção sobre a escrivaninha; à propósito, ela adora ler. Lê histórias de vampiros, alienígenas, donzelas, amores, guerras e mistérios sem nem ao menos imaginar que alguém gostaria de poder lê-la com tal facilidade quanto às páginas de um livro. Tem os olhos pretos de uma menina inocente e o corpo atraente de uma bela mulher. Possui o poder da infindável persuasão, a voz mais doce, sabedoria e coragem; parece ser imune ao medo, parece poder provocar o próprio medo, a discórdia e a harmonia também. Ela pode moldar os sonhos e coagir a alma; tem a eloqüência de um deus, uma força interior que a torna extremamente auto-suficiente e possuidora da mais invejável confiança. Eros devia ter-lhe dado todo o mais puro e belo amor do mundo, ela nunca o mostrou à alguém, mas eu sei que o guarda em algum lugar.
Ela é perigosa, é cerca elétrica de alta tensão, é pressão, é devaneio. Ela é suicídio. Sim, por que não? Amá-la é desistir da própria vida. É impossível amá-la por partes, é impossível querer apenas de vez em quando, não se entregar completamente. Quando você à conhece, não existem meios-termos, não há tempo para pensar nos outros, não há tempo para pensar em si, dane-se o amor próprio, quanto mais amor tiver para dá-la, melhor. Você? Você fica pra depois. Ela é uma droga, uma mania, uma doença venérea. Ela não tem cura, não tem tratamento. Para não desejá-la melhor não vê-la. Para esquecê-la a solução é esquecer a vida, ou simplesmente aceitar que ela jamais vai sair da sua.
É o número dela que eu procuro quando seguro o telefone, são os olhos dela que iluminam as curvas do meu quarto quando consulto o travesseiro à noite. É à ela que eu busco, sempre, incansável, tolo e esperançoso.
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